Introdução
Dentre os bens intangíveis de uma empresa, entre os patenteáveis e os não patenteáveis, a marca é o bem que mais se distingue, seja corporativa, de produto, ou de serviço.
Com sua distinção, cada vez mais passa a ter maior relevância no mundo dos negócios, cuja abordagem já foi desenvolvida em capítulo anterior.
Para corroborar essa assertiva da sua maior representatividade dentre os bens intangíveis, quanto mais a sua titular investe em intangíveis, como patentes, inovação, sustentabilidade, ações sociais, relacionamentos, parcerias, tecnologia, governança, conhecimento e talentos, dentre outros, a tendência é de que, quase sempre, esses intangíveis, quando devidamente geridos, acabem sendo percebidos e sentidos pelos stakeholders e pelos consumidores; sendo que estes, através das redes sociais, acabam se tornando os “donos de fato” das marcas; ou seja: “seja feita a minha vontade”, tendo em vista os novos imperativos do mercado.
Assim, considerando que o que fica em visibilidade no mercado é a marca, seja ela corporativa, de produto, ou de serviço, nas mais diversas modalidades de mídia e de canais de distribuição/comercialização, qualquer ação de intangíveis, com o pressuposto de fortalecer as operações de uma empresa, acaba tendo reflexos diretos na marca, porque o que o mercado conhece e consome são marcas.
Esses reflexos, de forma direta ou indireta, incorporam-se na marca e passam a reforçar os seus atributos; consequentemente, a marca ganha agregação de valores em notoriedade, reputação, prestígio e admiração, criando vínculos fortes, principalmente o emocional: Paixão pela Marca!
Analogamente, poder-se-ia dizer que o mesmo ocorre com as franquias, que são marcas formatadas com determinados modelos operacionais, modelos esses que praticamente também se caracterizam como intangíveis. Assim, quanto mais cresce a rede de franqueados a marca também vai crescendo e se valorizando, num processo de retroalimentação. Detalhe, só que no caso de franquias, raramente o franqueado torna-se o proprietário da marca; claro que aufere os seus lucros, mas, além de pagar pelo seu uso, agrega valor para a sua titular, principalmente o monetário.
Sob esse enfoque, à medida que a importância dos bens intangíveis cresce, passa a ser fundamental a gestão de marcas com base em seus valores monetários, com a finalidade de alinhar a gestão do ativo marca com a de outros ativos da empresa.
A almejada sustentabilidade alicerçada no tripé de resultados econômico-financeiro, social e ambiental, conhecido como triple bottom line, por imperativo do próprio mercado, requerer um alinhamento com a essência da marca; ou seja, o princípio central da organização.
Nesse contexto, a marca deixa de ser domínio único e exclusivo do departamento de marketing. Assim que a empresa compreende o que é a marca, esta direcionará toda a organização. Todo processo de decisão necessariamente deverá passar pelo processo de análise de impactos na marca.
Marca é um tema interdepartamental e supra departamental que requer em sua gestão o envolvimento e a união do presidente, diretores, gerentes e técnicos de todas as áreas afins com a organização, incluindo relações com parceiros, fornecedores, relações institucionais e legais em torno da discussão sobre a gestão desse importantíssimo ativo sustentador e perpetuador do negócio. Quando esse processo se completa a organização toda vivencia a marca e esta passa a expressar a alma da empresa.
Sua avaliação monetária dará sustentação às ações de gestão enquanto que a sua avaliação mercadológica norteará a sustentabilidade.
Competir com sucesso neste século, exige muito mais do que apenas bons produtos, preço, ou serviços de qualidade. Os intangíveis, como a imagem da empresa e da marca, são fatores cruciais para alcançar uma vantagem competitiva.
Na consumer land, diariamente são despejados uma infinidade de novos produtos. Só as grandes redes de supermercados dispõem de aproximadamente 30 mil itens à espera dos consumidores. Mesmo para os bens de consumo imediato, aqueles que saciam a fome, as escolhas já não são tão simples, devido ao excesso de oferta. Não é fácil manter-se e diferenciar-se nesse contexto. O preço baixo, por si só, mesmo que conjugado com outros pré-requisitos, já não é fator de decisão na cabeça do consumidor.
A diferenciação do tipo “o que nós temos” versus “o que eles não têm”, ou o fato de que “nós fazemos o melhor”, pode assegurar uma vantagem inicial, mas não garantirá a sequência do sucesso.
O consumidor quer mais, quer interagir, quer participar, quer sentir e vivenciar o propósito de uma marca. Se na empresa o caixa é o Rei, no mercado o Rei é o consumidor e é ele que provê ou não o caixa da empresa! A soberania da empresa está na razão direta da soberania do consumidor.
O velho marketing já não funciona mais; sua marca não é mais sua! As empresas não são mais donas de suas marcas, apenas detém as suas titularidades, mas os donos de fato são os consumidores. As marcas mais conhecidas são temas de inúmeras comunidades na Internet e blogs, e não há como interferir nesse processo.
A tecnologia que liberta, ao invés de restringir, incorpora-se às relações sociais, econômicas, culturais e de consumo, derrubando fronteiras físicas e temporais.
A mensagem não é mais aquela que a empresa transmitia através do departamento de marketing ou das agências de publicidade, e sim o que o consumidor quer ouvir e da forma como ele quer escutar. Não por acaso, as empresas monitoram, quase que 24 hs., as redes sociais.
E por que isso ocorre?
Porque os modelos de negócios tradicionais, e as estratégias que os profissionais de marketing têm usado há gerações, praticamente já não funcionam mais.
O fracasso ou insucesso de muitos empreendimentos não é simplesmente o resultado de vivermos em um mundo de alta tecnologia, e sim a consequência do surgimento de um consumidor fundamentalmente diferente. O comportamento do consumidor mudou tão rápida e profundamente que exige uma visão inteiramente nova de gestão de marcas.
As implicações têm longo alcance. Estamos no começo de uma nova era em gestão de marcas e marketing, que deve passar por uma grande transformação. Somente com a percepção dessas transformações e com o equacionamento correto dos novos desafios em gestão de marcas, que será possível as empresas ampliarem o impacto de suas inovações e alinhar mais estritamente seus esforços de branding e de marketing para obter os resultados esperados na estratégia geral do negócio.
Novas regras? Não; simplesmente não existem mais regras!
Na era pós-industrial e pós-capitalista, que se iniciou neste século, o consumidor é quem dirige o mercado com os seus anseios, sonhos e aspirações que, entre outros incluem:
- Saúde e bem-estar, incluindo estilos de vida mais holísticos e orgânicos;
- Lazer, entretenimento e experiência de “novas aventuras”;
- Segurança física e emocional;
- Serviços para a geração dos “novos velhos”;
- Educação para a vida inteira;
- Usufruir as novas tecnologias nos domínios da biotecnologia, genética, gestão da informação, etc.;
- Antecipação de tendências, bem como reinvenção do velho, sem medo de ousar.
O velho e bom benchmark já não funciona mais, porque cada marca será única; assim, cada caso será um caso e, como tal, deverá ser tratado, porque, se não for assim, não passará apenas de um produto com rótulo, ou de um serviço com nome, mas sem personalidade, competindo na “vala comum”.
Ouça o consumidor com cuidado, saiba fazer as perguntas certas, porque ele “diz o que pensa e faz o que sente” – Jaime Troiano – e, geralmente, efetua suas compras mais pela emoção (sentimentos) do que pela razão. Chega-se a afirmar que 95% das compras são efetuadas pelo fator emoção; e emoções se sentem e não se explicam.
As marcas são como pessoas; fisicamente continuam as mesmas, mas vão se transformando ao longo de suas existências; tudo é movimento, tudo é transformação. Desse modo, como não existem duas pessoas iguais, também não há duas marcas iguais.
O essencial é a sua diferenciação pelo uniqueness, ou seja, caráter único e diferenciado.
Assim como existe receita de bolo, não existe receita de “bolo pronto”; é preciso fazer o bolo. Para isso é necessário entusiasmar funcionários, encantar clientes, e enlouquecer concorrentes. Cliente satisfeito enriquece acionista e enlouquece a concorrência.
Conclusão: na consumer land as empresas não são mais “donas de suas marcas”; apenas detém as suas titularidades. Portanto, é imperioso tratar clientes como investidores, eles são os principais stakeholders. Cliente satisfeito enriquece o acionista, enlouquece a concorrência e acrescenta valor monetário às marcas.
Metodologias
Como não existem duas marcas iguais, também não há uma metodologia padrão em avaliação de marcas. Mesmo quando se trata de uma valoração de fora para dentro; ou seja, apenas com base em dados e informações extraídos de Demonstrativos Financeiros publicados, incluindo até informações relevantes, as metodologias podem variar, haja vista as variações existentes nos rankings divulgados por consultorias, nacionais e internacionais, que periodicamente avaliam marcas, sem que necessariamente tenham sido contatadas para tanto. Entretanto, os valores apresentados nesses rankings, não tiram o mérito de que realmente as marcas possuem valores fantásticos, chegando às vezes, a surpreender os próprios acionistas.
Muitas vezes, algumas delas, só pelo fato de aparecerem nos rankings internacionais, ou aquelas que já normalmente aparecem, mas com alguma variação positiva, é o suficiente para que as ações de suas titulares se valorizem instantaneamente.
Por outro lado, quando se trata de uma valoração de dentro para fora; ou seja, quando efetivamente há uma contratação para tal serviço, é que realmente pode ser apurado o chamado valor técnico – referencial da marca, porque o seu verdadeiro valor só será conhecido se houver sua transação no mercado e, mesmo assim, dependerá em muito da conjuntura reinante ou das apostas dos players em uma aquisição.
Assim, não por acaso, a CVM ainda não permite que Sociedades Anônimas de Capital Aberto incorporem em Balanço o valor de marcas próprias. Por outro lado, quando adquiridas, passa a vigorar a obrigatoriedade de suas avaliações, bem como de outros intangíveis relevantes.
Entretanto é inegável e inquestionável que marcas apresentem, como bem intangível, um valor distinto, seja lá qual for o tipo de constituição de sua titular.
Ante o exposto, pelas características intrínsecas e extrínsecas individuais, apresentadas por cada marca, incluindo aí também particularidades e peculiaridades distintas, a metodologia a ser aplicada, além desses aspectos, terá que considerar a finalidade que se pretende com a sua avaliação, bem como as circunstâncias e os interesses envolvidos, podendo, inclusive, dentro de uma mesma metodologia, haver variação de critérios.
Dessa forma, querer estabelecer uma metodologia única ou padrão para valorar marcas, ou mesmo ignorá-las como um bem intangível distinto, num processo de avaliação empresarial, principalmente quando se trata de fusões e aquisições, por empresas estrangeiras, com certeza, os sócios ou acionistas da adquirida terão uma avaliação irreal, principalmente se o fluxo de caixa da avaliada não estiver confortável; fora o fato de que, num processo de aquisição de empresas nacionais por estrangeiras, o que acaba interessando, na realidade, são as marcas com seus atrativos, porque além de tecnologia as adquirentes dispõem de recursos financeiros com folga.
No Brasil, houve muitas negociações de empresas titulares de marcas fortes, e até mesmo fusões, a preços aviltados onde, uma vez mudada a titularidade da marca, apenas com um aporte de capital de giro, o negócio decolou novamente, simplesmente pelo fator marca. Nem sempre cash is de king; muitas vezes brand is the king.
O que conta para a marca, na realidade, é o faturamento advindo da sua força de vendas, decorrente de seus atributos, dentre eles a reputação da marca, incluindo carteira de clientes, redes de distribuição, market share, etc.; e é isso que as adquirentes visam! O restante, como uma melhor gestão, elas agregam.
Portanto, mesmo empresas que apresentem prejuízos, ou baixa lucratividade, suas marcas podem ser avaliadas para diversas finalidades.
O conceito genérico de avaliação de marcas é aquele que contempla o licenciamento de utilização de nome ou fabricação de produto, conhecido como taxa de royalty.
Originalmente, teve início a partir do reconhecimento internacional de direitos sobre fórmulas, processos, marcas e patentes legalmente registrados e protegidos, como forma de permitir a terceiras suas utilizações como nomes e/ou fabricações de produtos. Praticamente, os norte-americanos foram os grandes disseminadores desses métodos e práticas.
Modernamente, o conceito de franquia retrata muito bem essa prática que, só nos Estados Unidos, representa mais de 60% dos negócios.
Outros métodos, isoladamente ou combinados, também são praticados nessas avaliações, sempre a partir de uma convergência de critérios, em função das próprias características de cada negócio e de suas expectativas; dentre eles:
- Capitalização de Investimentos Publicitários;
- Fluxo de Caixa Descontado, considerando a contribuição da marca.
- Price Premium sobre produtos equivalentes ou de uma mesma categoria.
- Royalty Relief ou Alívio de Royalty, com agregação do conceito de perpetuidade.
- Share of Market – Participação Mercadológica.
Além desses métodos, reconhecidos e aceitos internacionalmente, existem outros específicos, criados mais precisamente para avaliação de marcas globais (mega marcas), desenvolvidos por empresas de consultoria como: Inter Brand, Millward Brown, Financial World, Brand Finance, Equitrend e Brand Dynamics, com sofisticados modelos de pontuação comparada, através de pesquisas sistemáticas anuais.
Outras vezes, chega-se a se desenvolver métodos híbridos, quando o caso assim requer, ou mesmo um mix dos métodos mencionados.
Atualmente, com a chamada “nova economia”, os ativos intangíveis baseados no conhecimento, conhecidos também como riqueza invisível, entre os quais se incluem a marca, o Prof. Sveiby aborda de maneira interessante a relevância desses patrimônios do conhecimento e a necessidade de gerenciar os seus valores, inclusive o monetário.
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